As estradas nos levam sempre a algum lugar. E um deles com certeza é para nossa casa. Mas para JB, João Batista, 54 anos, a estrada já levou-o e continua levando-o a lugares cada vez mais distantes.
Em uma das estradas que tomei coincidiu com as dele. O destino foram as lembranças de outras andanças de JB.
A sua jornada de heroi começou cedo quando ouviu a buzina acionada na boleia de um caminhão. A buzina soou como um canto de sereia vindo das profundezas de sua alma. Hipnotizou-o tanto, que ele, nem saído da infância, mergulhou nesse imenso mundo onírico, tornou-o realidade e embarcou. Arrumou suas trouxinhas e sem se despedir saiu de casa, aos 10 anos, em São João Del Rey, Minas.
De carona em carona chegou à Praia de Ramos no Rio de Janeiro.
Dormiu sob estrelas e castelos mal formados. Por coberta, jornais relatando histórias alheias, inspirando-o a escrever a própria.
Contudo, seu pequeno corpo repleto de orgulho mineiro não temia o destino.
A liberdade era sua nova casa e o sonho de ser motorista de caminhão se transformou em sua nova família.
Bravamente e destemido lutava pela sua sobrevivência no asfalto endurecido pelas pegadas das adversidades da vida. E sua vida foi-se endurecendo nas batalhas épicas do dia-a-dia. Ele ia crescendo, valente e confiante. Fez de tudo um pouco. Um pouco de palhaço de circo e muito de Papai Noel.
Porém, seu ouvidos não o deixavam esquecer de seu sonho. Sempre que ouvia o som da buzina de um caminhão mais tinha forças para persistir na sua jornada.
Após um tempo JB passou a dormir em vagões de trens e se locomovia pelos trilhos à espera da realização de seu destino. Já haviam passado dezesseis anos. O jeito para ganhar a vida agora era ser pintor. Um fato veio interpor-se em seu caminho. Certo dia um colega de profissão roubou seu tênis. À noite, no vagão em que dividiam, enfrentou o colega e terminou lançado para fora do trem em movimento. O "guerreiro" teve que voltar para casa pela primeira vez, depois de muito tempo, ferido, mas não derrotado.
A mãe o recebeu e pôde acalentar mais uma vez seu filho. Acreditou ser possível retê-lo em seu mundo. Porém, tão logo se recuperou, ele seguiu pela estrada rumo ao seu sonho.
Novamente na estrada passou por tempestades e solidão.
Aprendeu, enfim, desenhado na palma da mão a guiar um caminhão.
Caminhão, ônibus, van.
As estradas foram se estendendo além dos limites do Brasil.
Pelas estradas construiu sua família. Ao todo nove filhos. Seu maior arrependimento - ter se casado quatro vezes e ter deixado, ao se separar da primeira esposa, uma filha de sete anos.
Assim mesmo se diz muito feliz hoje, embora não permita que a rotina da vida interrompa sua jornada. Já comunicou: "Não me avisem de morte. Eu nada poderei fazer."
Seu maior orgulho: tem casa própria, um carrinho e a família esperando por ele. Se sente vitorioso, um heroi.
O que concluo ao ouvi-lo falar-me é que todo heroi deseja chegar a um porto seguro após as lutas diárias.
JB continua levando pessoas pelas estradas. Mas seu companheiro constante, o que ele lamenta muito, encontrou pelas estradas há muito tempo: o cigarro. No entanto, não deu carona às drogas nem às bebidas. Quer que seus filhos saibam disso como exemplo de firmeza de caráter.
A nossa companhia dividida nessa jornada foi chegando ao fim.
Enquanto compartilhávamos a mesma estrada não precisei de outras distrações. Levei comigo um livro, mas não o abri. Ali estava ao meu lado um homem que soube escrever a própria história e a dividiu comigo.