O que você lê aqui

Ao ouvir outras pessoas sobre suas alegrias, angústias e dúvidas quis compartilhar minhas impressões sobre esses momentos que vivencio no desejo de ser útil.

Ao lê-las, comente-as. Deixe sua ideia, sua impressão.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Cara Cora Coralina

Quintal de Cora


Visita a cidade de Goiás, casa de Cora Coralina e o busto dela ao fundo na janela de seu quarto.
30-12-2011
Alterado texto em 29-03-2022
Fui visitar minha amiga Cora em sua casa. Ela estava à janela, sorrindo-me. 
O seu rosto marcado pelos sabores do tacho. A alma suavizada pela fervura dos doces.
As mãos firmes pelas palavras escritas sinalizava a certeza de que estava no mundo e sabia, enfim, o seu lugar.
Com poucas palavras disse-me ter tudo de que precisava no mundo e, também, nada. 
Precisava de pouco para viver. Um liquidificador, uma geladeira, um ferro elétrico. Isso era um pouco de tudo. 
Senti seu perfume caseiro pelo correr das águas do Rio Vermelho.
Fiquei ao seu lado vendo o que seus olhos viam.
Vi o tempo passar. No tempo dela.
Vi suas roupas esticadas nos cabides ao lado de sua cama; seus livros enfileirados no livreiro, como bons amigos.
A sua máquina de costura, ainda com a linha a esperar pelos seus dedos ágeis.
Cora tocou-me o coração. Despertou-me lágrimas. 
Em seu quintal, fechei meus olhos e a escutei recitar um de seus poemas.
Minha amiga Aninha, com suas palavras. Com sua meninice.
Profunda, e clara. Sua poesia era sua história, sua vida.
Não distinguia o tempo de menina e o de agora.
Segue vivedo um tempo atemporal.
E eu sigo Aninha, a Cora, na poesia da vida. De minha vida.

domingo, 24 de julho de 2011

Belas Artes. Atos bizarros.



Nem Fellini conseguiu que o navio não partisse. Todos nós estivemos lá dentro para deplorar o funeral não de uma expoente na arte de cantar e sim do espaço de tantas artes numa tela branca. 
Ao passar pelo finado Cine Belas Artes neste domingo, 24, vi-o abandonado, sujo, as portas cobertas por papéis, tintas e grafites e a marquise servindo de abrigo para o frio de alguns. O frio perene na alma de poucos que ousaram impedir que a "Música e Fantasia" continuassem a aquecer os corações dos "Amores Expressos" . O ambiente agora mais parece uma zona de "Apocalypse". 
Suas salas estão envoltas num véu de escuridão. Foi imposta "A Lei de Desejos" contrários aos de um povo faminto de sonhos.
Essa foi, infelizmente, "A Regra do Jogo" em que todas as cartas já estavam marcadas antes de irem para a mesa.
Se aproximarmos nossos ouvidos das portas de vidro escutaremos "Gritos e Sussurros" de pedido de socorro d'O ilusionista que acredita que o poder esteja no dinheiro que sua carteira abrigará a despeito  da  mais pura verdade de que somente a arte pode dar ao homem o poder de se elevar como ser humano e torná-lo mais rico.
http://www.clicapiaui.com/geral/44917/veja-programacao-de-filmes-do-cinema-belas-artes.html

Força centrípeta e centrífuga

A hora da despedida se aproximava. As lágrimas escondidas nas curvas de seus olhos teimavam em saltar e denunciar seu sofrimento.
Sofrimento percebido e aquietado por seu pequeno coração.
Nada podia ser feito diante dessa dor da tão pequenina criança. Era hora de voltar para sua casa depois de um fim de semana ao lado de seu pai.
Ele, triste, porém conformado já esperava no carro com o motor ligado pela necessidade de abreviar o tempo da despedida. Ela, arrumando suas coisas de pouca importância, tentava retardar sua saída. No caminho nenhum dos dois pronunciava qualquer som. As palavras não eram requisitadas. Tudo já tinha sido dito. No centro de tantas forças da alma surgiu um momento de inércia. Ambos parados em frente à casa dela num acolhedor e profundo abraço permaneceram assim por longo tempo. Suas lágrimas agora não tinham porque se esconder. Elas denunciavam seu desespero e o inevitável. Já estava em casa e não poderia por argumento algum retroceder. Não dependia dela a sua vontade ser satisfeita. 
Seu pai beijava ternamente sua cabeça e alisava seus cabelos incitando uma força contrária que a traria para mais perto de si.
Ele a viu afastar-se cabisbaixa e firme. Sozinho entregou-se à própria dor. Uma dor repetida semanalmente.
A dor da despedida do encontro por um breve tempo com o pedacinho que faltava em seu coração.



domingo, 17 de julho de 2011

Comer, beber e palavrear

(Encontro dos jornaliristas na Vila Madalena - 16/07/11)
Novamente falo de encontros de conhecimento, ideias e pessoas afins. Elementos que bem combinados num espaço qualquer sob um luar de emoção se tornam momentos únicos.
Nem o futebol na grande tela nos calou. As palavras não se perderam em meio aos olhares hipnotizados por uns tantos pares de pernas correndo atrás de uma esfera alheia  à sua trajetória.
Propostas de realização de nossos desejos postas à mesa , os astros foram evocados para influenciarem o desenrolar das intenções. Shellah os distinguia e os interpretava nas entrelinhas de cada um de nossos destinos. Guilherme construía pontes para facilitar a travessia do indivíduo para o público e Silvio moldava as palavras transformando-as em poesias.
Novos talentos assomaram revelando a pureza e a sabedoria. Esta, não um fruto do envelhecimento das ideias e experiências, mas o sinal de uma existência criativa e sensível dos olhares jovens para um velho mundo.
Falamos de panelas e de almas simples que transformam matérias primas em alimentos para corpos carentes de aconchego.
Emocionamo-nos com a realização de sonhos acalentados no íntimo ao ser exibido em público. Seríamos os próximos a nos ver nos lábios de alguém?
Presenciamos uma amizade comprovada e fiel à infância.
Brindamos ao prazer de existirmos e compartilharmos esse momento.
O tempo num breve virar da ampulheta se extinguia. Já era hora de despedirmo-nos. O coração e mente alimentados no banquete das palavras nos inspiraria a novos contos, poemas e crônicas. Prometemos não demorar a nos rever.
Agora, o lápis ou as teclas se encarregarão de transformar as emoções deste encontro em composições textuais a serem lidas por futuros membros e amigos que por ventura se juntarem a nós em uma próxima vez.
Foram poucos agora. Mas como profetizou Guilherme: Ainda cobriremos o caminho da Vila Madá ao Pacaembu.
E de mãos dadas, Guilherme. Anote aí!

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Não vou nem morto


As terras ficavam no sudeste de Minas. Terras é exagero de minha parte. Era um roçado. O roçado de Messias. Homem bom, quarenta e cinco anos. Envelhecido pela lida de muitos anos na roça. Desde que era menino já trabalhava capinando mato e arando terra. A enxada era a continuação de seu braço. Bem talhado e com a pele vincada e ressequida pelo uso, como as rachaduras do cabo da enxada.
O único desejo de Messias nessa vida era ver os filhos doutores. Mas que raio de vida! Tá ficando difícil de conseguir isso!, ansiava.
Pobre homem! Os dias eram como qualquer outro dia. Todos iguais. Acordava muito cedo, quando o sol nem havia nascido, pegava seu braço-enxada e rumava para a roça. Antes, Justina, sua esposa, lhe preparava a matula pra mode ele se alimentar na hora da fome. A água? Bebia na fonte. Passava nos fundos da sua roça um riozinho besta mas o bastante para prover toda a família. Essa era uma bênção de Deus, com certeza!, pensava Messias.
Justina já não guardava a beleza dos tempos de mocinha. Ainda nova casara-se com Messias, na esperança de dias melhores. Moça da cidade, embora afeita ao trabalho desde cedo, a roça a castigou mais que o tempo seria capaz de realizar em tanta formosura. Vincos apareceram cedo na face, roubando-lhe o viço e o frescor que só as moças do interior possuem pela vida pacata e saudável.
Justina e Messias só tiveram três filhos. Roberto, com treze, acompanhava o pai no roçado após chegar da escola de manhã. Juliano, onze, cuidava do galinheiro, dos porcos e a da vaca. E a linda Lindaura, com seus sete anos, ajudava a mãe nos afazeres domésticos e no cultivo da horta. A pobrezinha ainda não ia para a escola, mas era muito danadinha de esperta.
Assim pensava Messias em sua vida. Deixava suas lembranças lhe banharem o pensamento enquanto descansava à beira do riozinho. Ouvia o vento no balançar da folhagem abundante à sua volta. Roberto cochilava ao seu lado e isso o levou a viajar em sua memória, até a adolescência.
Menino, muito magro, porém forte, não tinha tempo para folguedos infantis, o pai partira cedo deixando viúva e cinco filhos. Messias assumiu a responsabilidade pelos cuidados com o sítio da família, com o sustento dos irmãos e da mãe. O tempo passou devagar, assim como os dias transcorrem lentos em lugares distantes do meio urbano.
O rosto de Justina lhe veio à mente. Lembrou-se de como ela era bonita quando a conheceu. Numa tarde precisou ir até à cidade comprar mantimentos para a despensa vazia. Ao passar de bicicleta em frente à loja de tecidos, avistou uma linda moça atendendo uma cliente. Freou a bicicleta. Apeou-se dela como se estivesse montado em um cavalo. Aprumou-se, passou as mãos ajeitando seus cabelos e adentrou a loja confiante, com passos bem ligeiros. Lembrou-se de repente que não havia pensado em uma desculpa para puxar prosa com a moça. A coragem esvaía-se a cada passo que dava. Queria voltar mas já era tarde. O que dizer, meu Deus?, valei-me Nossa Senhora! É agora ou nunca, pensou. A moça lhe sorriu dando a perceber que notara a sua presença. Vixe Maria! E agora? O que faço? A moça lhe tirou desse emaranhado de pensamentos e cumprimentou-o gentilmente, oferecendo ajuda.
─ O que deseja?
Gaguejando, ainda em busca de palavras, despejou as que vieram de pronto à sua cabeça:
─ Farinha, polvilho, pra mode levar pru sítio.
A moça sorriu de novo e timidamente colocou as mãos diante dos lábios, de vergonha pelo mau jeito de Messias.
Delicadamente, sem querer constrangê-lo, indicou o armazém mais à frente. Mas antes de se despedirem, ele perguntou o seu nome.
─ Justina!
Um mês depois de tantas pedaladas em frente à loja de Justina e um breve aceno de cabeça, encheu-se de coragem e pediu o consentimento dela para acompanhá-la até a casa. Nesse primeiro encontro, mais demorado, puderam se conhecer um pouco melhor. Justina, muito à vontade ao seu lado, falava mais. E ele, encantado e tímido ao mesmo tempo, a ouvia só mexendo a cabeça, como a concordar com tudo que ela dizia. Essa é a mulher que quero para minha esposa, reconheceu.
Depois de um ano desde o primeiro encontro desajeitado na loja de tecidos, Justina e Messias se casaram no cartório da cidade. Com algumas economias, Messias comprou um sítio para ele e Justina morar. Seus irmãos assumiram os cuidados com a mãe e a terra da família.
Realizado o humilde casamento, os dois montaram na bicicleta e rumaram para a casinha simples mas bem caprichada na arrumação. O fogão a lenha no canto da sala aqueceria muitas noites frias. Na sala, um lampião a querosene; outro em frente à casa, pendurado numa majestosa mangueira, para guiar a volta da roça no fim do dia de Messias. Justina o esperava com o caldo quente na cumbuca sobre a mesa. Messias voltava sempre ao cair da tarde, para evitar as cobras pelo caminho.
Um estalo do quebrar de um galho o derrubou dessas reminiscências. Levantou-se sobressaltado. Verificou que Roberto dormia e foi em direção ao barulho.
Com o braço-enxada aguçou todos seus sentidos.
À sua frente um sujeito com uma grande capa preta e um capuz a lhe cobrir o rosto.
─ Tarde!
─ Tarde! O que quer por aqui?
─ Você estava pensando na vida? 
─ Como sabe? Quem é você?
─ Só pra eu me certificar: qual é a sua graça?
─ Messias. O que faz aqui no meu sítio?
─ Calma, homem; logo vai entender.
Messias sentiu um calafrio percorrer a coluna. A enxada de repente se soltou de suas mãos. Sentiu que boa coisa não era. Emudeceu de uma vez. Não conseguia articular nem uma palavra sequer. Seus pés plantaram no chão. O sujeito se aproximou mais dele e lhe sussurrou ao ouvido; Messias gelou.
─ Então só mais um mês? Não tem jeito de negociar o prazo?
─ Daqui a um mês voltarei.
Assim como apareceu, desapareceu. Assustadoramente.
Messias saiu a custo do lugar e voltou cambaleante para perto do filho.
Seus olhos se encheram de ternura e pena dele.
Não poderia contar para o filho, muito menos para Justina.
Teria que pensar e resolver isso sozinho.
Acordou o filho dando ordem de juntar tudo para voltarem para casa.
Roberto não entendeu nada, mas tratou de obedecer ao pai.
Messias demonstrava, além de pressa, uma agonia em seu semblante. Mais parecia que havia visto um fantasma. Correu para ajeitar as coisas e saiu atrás do pai.
Messias apressava o passo. O pensamento dando voltas. Enrolava e desenrolava qual um novelo de barbante. Como vou me safar dessa?
De repente estancou no caminho. Roberto deu de cara com as costas do pai, derrubando tudo que carregava.
─ Filho, vai na frente e chama sua mãe. Diga para ela vir sem demora.
O menino disparou pelo caminho. Chegou a casa esbaforido, mal conseguindo falar.
Ao longe Justina avistou Messias caído no caminho.
Ela gritava por socorro. Os filhos vieram e desesperaram, chorando. Com custo carregaram o pai para casa e o colocaram sobre a cama. Nada de ele acordar.
─ Tá morto, meu Deus!
Um estranho logo apareceu na porta do quarto de Messias e Justina. Vestido com uma capa preta e um capuz que lhe cobria o rosto, foi entrando até à beira da cama. Não viu a respiração no peito de Messias. Olhou para todos os lados como a procurar por algo, mas não viu o que queria.
─ Diacho, morreu e a alma escafedeu!
Saiu furioso derrubando tudo pela frente. Justina e as crianças não entenderam o que tinha se assucedido.
Olharam para Messias e tomaram um susto ao vê-lo sentado na cama, como se nada houvesse acontecido. Messias abriu os braços para os filhos e a mulher o abraçarem. No meio de tantas lágrimas, ele, mais calmo, reuniu todos na sala e começou a contar como enganara a Morte se fingindo de morto.
A encomenda estava perdida por aí.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sorte ou fé? Pé na estrada

Decisão tomada é hora de fazer as malas. O destino é variado. Ideias na cabeça, mas também livre de qualquer programação rígida. A única programação que coube foi aprender sobre café. Curso rápido de barista e conhecimento sobre a cultura do café.
Assim iniciei minha viagem para o Espírito Santo e Rio de Janeiro. A forma para viajar foi um processo difícil, pois a dificuldade se apresentou logo ao abrir a carteira bancária. Saldo mínimo. Mas como fazer para chegar ao destino?
Criatividade e humildade, claro!
Concentração no essencial para não deixar de curtir apesar de poucos recursos. O que tirar de momentos que apenas os olhos irão vivenciar?
Ao chegar em Vitória de avião por um preço módico tive a agradável surpresa de ser convidada pela amiga de meu irmão para hospedar-me na casa dela. Uma parte da viagem já estava sendo financiada. Teria que viver essa viagem dia após dia na expectativa de conseguir esticar o dinheiro até o fim dela.
Fui para casa da nova amiga com almoço e lanche feitos em casa para economizar. Beleza! Era isso que eu esperava. E nem precisei sugerir. Ela propôs, e eu: Ai meu Deus, o senhor trabalhando para tudo dar certo!
Foram dois dias. Curso intensivo e exclusivo. Podes crer. Grátis!
Achando que iria para Linhares para onde meu irmão mora, de ônibus, ou seja gasto com passagem, tive outra surpresa, a de que ele se encontrava em Vitória e iríamos juntos no carro dele.
Ah, você meu Deus, me ajudando mais ainda.
A viagem foi tranqüila embora chovesse bastante. Demoramos um pouco para chegar. O que foi muito propício. Eu e meu irmão há muito não nos víamos e fomos colocando o assunto em dia.
Para minha felicidade o local em que ele morava simplesmente era maravilhoso. Perfeito para uma alma atormentada com o barulho e a insanidade de viver em São Paulo. Uma fazenda com um rio bem à frente da casa dele. E o silêncio imperando. O único barulho era o cantar dos pássaros e o piar das corujas.
O cheiro do mato úmido e a simplicidade me deixaram extasiada. Enfim, o descanso para meus ouvidos.
Logo de manhã, ao acordar, fui explorar o local. Quanta coisa bonita! Fui fotografando como podia. A máquina não é lá essas coisas. Mas a inspiração estava ali diante de meus olhos. Dava na vista.
Flores, frutos, pássaros...
Caminhei muito. Meditei bastante sem interrupções. Até dancei à beira do rio ao som de uma seleção especial de  meu Ipod. 
Foram cinco dias de muito refazimento físico e espiritual. Mas era hora de seguir viagem. Rumo ao Rio de Janeiro. Agora tinha de meter a mão no bolso. Comprei a passagem de ônibus. Adoro viajar de ônibus. Dá para ir pensando na vida enquanto a paisagem desfila ao lado de sua janela.
Primeira coisa é essa. Reservar seu lugar na janela. Não ficamos incomodados de ficar olhando para a cara do outro ao seu lado. Podemos olhar para fora ou fingirmos que estamos dormindo sem que a pessoa perceba. Mas a minha companheira de viagem não me incomodou. Às vezes comentava algo como o desempenho do motorista na estrada. Ele meio apressado arriscava a ultrapassar o veículo à frente e volta e meia tinha que frear bruscamente e retornar para a traseira em que se encontrava. Isso nos causou sobressaltos a viagem inteira. Tentei listar algumas pendências em minha vida, como se havia deixado de pedir desculpas ou desculpado alguém por um erro. Check! Pensei nos meus filhos,  marido,  familiares e amigos sobre algum momento em que deixei de declarar meu amor. Check! Bom, então se é a minha hora, Deus sabe o que faz. Se ele achar que já estou pronta para eu partir daqui, tudo bem. Faça sua vontade! Mas não foi essa Sua vontade. Nem a minha, é verdade. Lembrei-me que ainda tenho umas coisinhas para ajustar em minha vida e ele não iria me liberar fácil dessa vez. A viagem demorou bastante por tanta chuva.
Eu fui pensando em como economizar minha estada no Rio. Qual estratégia iria adotar. Teria que me arranjar até à casa de meu tio aonde ficaria hospedada. Ele não poderia me buscar. Portanto, como eu faria para chegar até a Lagoa Rodrigo de Freitas? Estava com duas bagagens. Pesadinhas. Conversa vai, conversa vem com a companheira de viagem, ao perguntá-la sobre como ela iria para casa, pimba! Ia para a mesma direção que eu. Copacabana. Iria pegar um ônibus, integração, na própria rodoviária, ao ladinho do nosso ônibus e por três e setenta estaríamos com a passagem do metrô paga também. Descemos na Praça Onze e pegamos o metrô. Logo, logo eu estava na estação do Cantagalo e assim meu tio pôde buscar-me por ser próximo ao seu apartamento.
Aí, não falei? Economizei além do que eu imaginava. Obrigadinha, Deus.
Cá estou eu na casa dele, podendo usufruir da localização. Perto da praia, das principais avenidas de Copacabana, Ipanema e Leblon. Lanchinho na geladeira, almoço com o tio no Leblon.
E claro, a companhia dele que é a melhor coisa do mundo.
Ainda no Rio, meu marido também rumou para essa cidade maravilhosa à trabalho. Pode com isso? Três vezes fantástico.
Ainda preciso guardar o dinheiro para a volta. Mas eu chego lá. Na praia? Água, aguá, água. Oras, isso é o essencial para manter o corpo hidratado e o peso.
A gente se vê em São Paulo. Dura!

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Mais um pouco sobre o café


Podemos diferenciar o café em dois tipos:
Arábica e conillon.
Características de cada um deles.

O arábica (coffea arabica) possui um sabor levemente avinagrado com pouca variação em sabor e aroma. Isso se deve pelo cruzamento realizado entre a mesma planta; a planta filha é igual a planta mãe.
Possui pouca variedade genética, visto que nossas lavouras de arábica são resultado da multiplicação da poucas plantas trazida pelo Palheta. São 06 plantas que ele trouxe como ornamental da África. A variação do sabor e aroma do arábica está mais relacionado à região e a forma de cultivo.
O sabor característico clássico é mais leve e está mais ligado ao aroma. Um aroma suave.

O conillon, conhecido lá fora também como o café robusta (coffea canephora) possui uma maior variabilidade por ocorrer obrigatoriamente  a frutificação com o cruzamento entre plantas sem parentesco. Ou seja, sem contraste genético. Resulta daí uma planta filha diferente dos pais. Portanto, encontramos mais variedade de aromas e sabores, como achocolatado, amadeirado, frutal, floral, nuances adocicadas. É uma bebida neutra, encorpada, responsável pela cremosidade e consistência da espuma do café expresso. Dificilmente encontramos café espresso 100% arábica na sua composição.

Como o conillon permite essa vairiedade de sabores cada vez mais o consumidor quer experimentar esse tipo de café.
Contanto que seja de qualidade. O amargor que o conillon empresta à bebida não é persistente. Se não vier do defeito, é claro.

Curiosidade:
O Espírito Santo é o segundo produtor de Conillon do Brasil. Minas Gerais o primeiro.
O Brasil é o primeiro produtor no mundo de Conillon.

quinta-feira, 21 de abril de 2011



Joguem seus pós de café tipo tradicional fora. É o de pior qualidade!
Andei no Incaper, Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extenssão Rural em Linhares e Vitória aprendendo um pouco sobre café.
O café tradicional é o café sujo, ou seja, cheio de defeitos. O de pior qualidade. Não se enganem sobre café forte ou extra forte. Isso é bobagem. Apenas é um café mais torrado para esconder o sabor ruim. E nisso vai também de bom embora.
O café que deixa na boca um sabor prolongado, meio amargoso também não é bom, contem resíduo, impureza. O café bom que você bebe não deixa gosto na boca. Mas você sente todo o seu sabor enquanto você o bebe.
Nesse caso entra o velho truque da balinha de hortelã depois do café. Quem te oferece esse mimo já está te avisando que o café que você vai consumir não é bom.
Então vamos lá às sugestões:
Optem por café superior ou gourmet, nessa ordem.
Café superior não tem impureza, mas não tem personalidade, nuances que o destaquem. Ele pode ser uma misture de vários cafés BONS.
Já o gourmet possui carcterísticas que o ressaltam, sabor achocolatado, floral, amadeirado e outros sabores e odores diferenciados. 
Tudo bem que o preço interfere na sua escolha. É também sua escolha beber algo bom ou não.
Dicas:
Jamais fervam a água. Quando ela começar a levantar fervura já está na hora de passar o café.
Não esquentem a água com açucar. O açúcar apressa a oxidação além de fazer com que a água ferva a temporaturas mais elavadas, portanto desnaturando, ou acelerando a deterioração do café. Por isso muita gente ao tomar café fica com dores no estômago.
Comprem pouca quantidade de café porque ele é um alimento perecível e logo seu sabor altera. Mantenham na geladeira em um pote fechado, em sua própria embalagem, na geladeira, num máximo 15 dias.
LEMBREM-SE: Café é uma fruta. Você descasca uma banana não come ela toda e a deixa exposta? Claro que ela oxida. E rapidamente. O café é do mesmo jeito.

domingo, 20 de março de 2011

As mil maravilhas

Ao meu marido, meus filhos e amigos.

Algumas vezes eu escuto, vejo, conheço, como, bebo, descubro tantas coisas boas e interessantes que tenho vontade enorme de sair correndo e compartilhar com todos. Aliás, algumas vezes, não. Muitas vezes.
São coisas simples na sua maioria.
Não sei se esse desejo é por eu ser uma entusiasta nata. Mas eu me horrorizo com o excesso de tristeza que leva à amargura e a sentimentos tão cinzas que fazem parecer que a vida é feita só de dias chuvosos.
Podem dizer o que quiserem, que inclusive é muita pretensão minha. Sobretudo quando ouso escrever não sobre as maravilhas do mundo. Mas as maravilhas que eu elegi. Porque são meus olhos que as veem e as transformam em tais.
Eu credito todas elas à minha vista, que já estando cansada tratei logo de dar um par de muletas para não deixar de enxergar as boas coisas da vida.
Pois bem, ao completar quarenta e sete anos achei que era mais do que na hora de dar presentes, e não só recebê-los.
Eles estão se acumulando em minha casa, leiam my soul. Não me incomodam em tê-los, mas diante de algumas pessoas com pouco entusiasmo pela vida ou até mesmo entediados de viver, me sinto impelida a dividir o que tenho de melhor.
Isso aqui não se trata de um guia de autoajuda, de um folheto de propaganda de produtos alheios. Simplesmente é minha alma se revelando diante do olhar dos outros.
Então vamos ao que de fato me levou  a compartilhar essas coisas.
Ah! Quase ia me esquecendo. Não entendam como prepotência de minha parte. Nem obsessão por explicações. Acontece algumas vezes de ganharmos um presente e não sabermos como usá-lo ou qual a sua utilidade para nós. Se me permitem, vou acrescentar uma nota explicativa ou sugestiva. Fiquem à vontade tanto para declinar dos presentes como para utilizá-los da maneira que lhes aprouver. Uma outra observação. Nada de agradecimentos. Nessa vida nada é de nossa propriedade. Tudo é emprestado. E o que fazemos é compartilhar coisas, pessoas e momentos.
Mas chega de explicações. Vamos às maravilhas.
− Assistam filmes argentinos. O choro e o riso andam juntos. A emoção que eles transmitem é genuinamente humana e real.
− Saiam para dançar, de preferência acompanhados, em um lugar para a "melhor idade". Fui a um lugar na Pompeia chamado Dom Carmenielo, onde se come bem e barato e lá encontrei gente feliz de verdade. Essas pessoas já entenderam que o mais importante são os momentos bem vividos, não importando a idade.
Peguem uma estrada de vez em quando, sem planejamento. Não precisam ir muito longe. A estrada para Mairinque e São Roque é muito agradável. É bate e volta. Vocês se esquecem dos problemas por um tempinho sem muitos gastos.
Se estão um pouco acima do peso, façam a dieta dos pontos. Essa dieta é para quem é competitivo consigo mesmo. É muito estimulante e com certeza o emagrecimento será mais rápido e saudável.
Façam novas amizades. Não daria aqui para indicar todas as minhas. Bem que eu queria. Os meus amigos são maravilhosos! Descubram os seus por seus antigos amigos. A chegada de novos em nossas vidas é como se fosse um livro on line. Vocês vão conhecer um mundo diferente do seu ou quem sabe algumas coisas irão coincidir e vocês se sentirão parte do todo.
Reúnam amigos e a família para jogarem. Detetive (eu sempre fui Cel. Mostarda), Banco Imobiliário (a rua Augusta era uma das mais valiosas), War, Imagem e Ação, Ludo, Gamão... Vocês rejuvenescem sem cirurgia plástica ou suplemento alimentar.
Ao final de uma noite, rumem para um karaokê, de preferência um não muito cheio para vocês terem vez. "Quem canta seus males espanta".
Eu sei que o verão acabou. Mas existe coisa melhor do que sorvete? Misturem vários sabores. Provem vários. Mas tomem devagar. Podem apostar, o que os estava incomodando vai desaparecer logo que terminarem de tomá-lo. O choque térmico do gelado no céu da boca os acorda para seguirem em frente.
Façam caminhadas ouvindo música. Ou podem pedalar uma bicicleta, é melhor ainda. O importante é uma boa seleção musical. Incorpore cada gênero. Se for uma música lenta, vão mais devagar, se for uma agitada, acelerem o passo. Vocês verão como se tornarão mais flexivíveis para as surpresas na vida.
Convidem amigos para uma reunião de bate-papo. No meio do papo coloquem a música The lion sleeps tonight e comecem a dançar sozinhos. Nesse momento terão a chance de serem vocês mesmos, na íntegra. Fiquem tranquilos, a maioria irá se juntar a vocês.
Exercitem. Não esperem ter uma recomendação médica para isso. Experimentei uma academia de circuito de trinta minutos. Resultado comprovado em um mês. Claro, se vocês forem assíduos.
Leiam muitos contos e crônicas. Pirandello, Nélida Piñon, Clarisse Lispector, Sérgio Sant'Anna, Ivan Ângelo, Veríssimo, Rubem Fonseca, Rubem Braga e tantos outros. Indico o livro Os cem melhores contos do século por Italo Moriconi. É uma viagem e tanto por mundos fantásticos e inteligentes.
Adquiram um chip de uma operadora de celular que permitam a vocês falarem com amigos e família por muito tempo e baixo custo. Querem pior coisa do mundo do que se sentir mal depois de terminar uma ligação? A sensação prazerosa de conversar com alguém é ofuscada pela preocupação com a conta telefônica. Se tiverem que ter dois números de celular, TENHAM.
Reencontrem amigos de infância. Nem que para isso vocês tenham que ter um perfil numa rede social. Postem fotos e mensagens sem medo de parecerem ridículos ou expostos. Quem muito se esconde se torna facilmente presa de críticas.
Por fim, riem de si mesmos. Já não existem bons palhaços hoje em dia. E rir de vocês mesmos os deixarão livres para serem o que quiserem. Sem medo de ser feliz.
Aos amigos desejo bom uso dos presentes. Só não me deixem curiosa como os utilizaram. Aceito também como presente pelos quarenta e sete anos novas ideias para ser feliz. Parabéns a cada um de nós que ousa a romper a barreira do som e fazer o maior estardalhaço de tanta alegria nessa vida.
Feliz cumpleaños! Happy Birthday! Joyeux Anniversaire!


sexta-feira, 18 de março de 2011

Eu em mim mesma

Olho para a moça e lentamente pego uma escova e começo a lhe pentear os cabelos. Ela me devolve um sorriso agradecida e extasiada por esse gesto.
Essa aproximação é cheia de tatos e recuos. É devagar e profunda. Curiosamente noto algumas manchas ao redor de sua imagem. Não. Não são delas. São do espelho velho que estrategicamente foi posto ali como a arquitetar por anos esse encontro. Nada lhe escapa, porém. Ele ansiosamente promoveu esse encontro a fim de nos revelarmos.
Volto minha atenção para a moça. Acaricio seu pescoço, riscas lhe saltam como linhas do tempo com uma longa história escrita nelas. Leio cada palavra, e não me surpreendo com o que elas me dizem. São sinais de uma vida inteira. Me encho de compaixão por cada uma delas.
A moça compreende e não se incomoda de tê-las ali. Sorri-me resignada pela inexorabilidade dos fatos da vida.
Percebo um vulto que passa por detrás de mim. A moça se assusta. Eu sustento o olhar em seu olhar como a encorajá-la a permanecer ali comigo. Ela volta a se acalmar. Digo-lhe, é apenas um intruso que quer nos furtar esse momento. Não temas. Olhamo-nos ternamente.
Deixamo-nos ficar assim por uns bons minutos. O quanto nossos pensamentos estiverem surfando na mesma onda estaremos presentes uma na outra.
Por um instante algo me dispersa e ela se aflige a me chamar de volta. Por que partiu? Não parti. Não te deixarei. Eu estou aqui. Você é parte de mim. Sempre estivemos aqui. E eu coloco minhas mãos no lado esquerdo de meu peito para dizer-lhe que ela mora em mim.
Então, com seu mais encantador sorriso, e um leve tique nervoso que só eu conheço, ela se entrega a mim.
Não posso congelar sua imagem neste espelho. Eu preciso acompanhar você, seu desenvolvimento, seu envelhecimento.
O espelho será sempre nossa testemunha. Ele nos garante a vida. E a vida como num balanço, nos leva pra frente, e na volta, uma suave brisa nos acolhe para continuarmos a caminhar.
Preciso me ausentar agora. Um pouco constrangida, sinalizo meu afastamento revelando uma sensação de leve desconforto pelo tempo que estamos assim. Colecionarei lembranças e histórias e voltarei para lhe mostrar.
Encaro-a firme, decidida a me despedir. Voltarei logo, não se preocupe. Ela me compreende e fecha os olhos para não ver-me partir.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Três meninas

Eram três meninas engraçadinhas e bonitinhas.
Viviam em uma cidade do interior de Minas. As três tinham apenas onze anos e já queriam namorar.
Na rua em que elas moravam outras meninas também queriam namorar.
Na cidade das meninas outras meninas já namoravam.
A diferença, porém, não era entre as meninas e sim entre os pais das meninas. Alguns pais não deixavam suas filhas namorarem com tão pouca idade. Só restava às meninas o sonho e a fantasia alimentados pelos filmes de amor e romantismo.
Os filmes mais inspiradores assistidos na matinê despertavam nas meninas sonhos que iam se delineando nos corpos de futuras mulheres.
Houve à época um filme que as fizeram viajar no tempo e na condição de simples plebéias. Inspiradas na Imperatriz Sissi sonhavam e encenavam as cenas de idílio romântico. Ai! Quero um amor assim só pra mim. E os vestidos? Vou fazer igual para a festa de meus quinze anos. Todas se transformavam em pequenas Romy Schneider. Quando foi passado no cinema da cidade o filme Love Story que trazia no papel principal Ryan O’Neal e Ali MacGraw, todas em uníssono declaravam que “amar é jamais ter que pedir perdão”, e por um mês seguido a fantasia se transportava para a vida real das três meninas que tinham por um único desejo, ter um amor assim.
Mas sonho e realidade nessa idade caminham juntos, diferentemente quando nos encontramos adultos e que muitas vezes abandonamos os nossos por acreditarmos que sonhos não enchem a boca de ninguém.
Por essa época o namorado ainda não existia para nenhuma delas. Até que um dia chegou um menino um tantinho mais velho vindo da rua de baixo. Ele não era tão bonito, além de ter um apelido horroroso. Mas possuía uma cabeleira farta, comprida aos ombros que em um simples gesto com as mãos puxando-os para trás fazia com que elas suspirassem.
E agora estava dada a largada para a grande disputa. Como o menino, ainda tão novo conseguiria equacionar esse problema? Era um para três.
Os hormônios femininos em borbulhas e os hormônios masculinos sobressaltados.
Por um bom tempo todas ficaram apenas nos suspiros e desejos contidos. Mas de partida alguns pontos ficaram definidos implícita e explicitamente.
Não haveria rompimentos entre elas por um menino apenas. Contudo, alguns pontos revelaram algumas vantagens e desvantagens.
Alguns pais permitiram esse ensaio da realidade. Esse ponto de vantagem para uma significava desvantagem para outra que compensava com atributos generosos que enchiam os olhos do menino.
Como só no reino da fantasia isso pode acontecer, sem acertos verbais ou acordos pré-namoricos, as três começaram a namorar o menino ao mesmo tempo.
O menino soube levar, mesmo com pouca idade, tal acerto entre as meninas. Estrategicamente, e isso não necessitou de estudo e conhecimento tático, o cinema continuou sendo palco das fantasias para os encontros.
As três meninas sentavam separadas por cinco fileiras de cadeiras umas das outras.
Uma no início da sala que ficava mais ao alto e podia divisar as outras. A segunda no meio da sala e a terceira rente a tela de projeção.
O menino tinha lá também sua estratégia de namoro. Os filmes tinham duração aproximadamente de uma hora e meia. Portanto, ele permanecia sentado com cada uma por meia hora. E com cada uma um nível diferente de aproximação. A menina do início da sala apenas permitia o toque nas mãos. Permaneciam o tempo todo assim. Mal se olhavam. Apenas ao toque suave e inseguro nas mãos era capaz de provocar a maior das sensações de desejo na menina e no menino.
Com a menina do meio já valia um beijo na boca. E com a terceira, uma mão boba aqui outra ali.
Mas como em toda história de príncipes e princesas sempre aparece uma bruxa ou bruxo malvados para adiar a felicidade, o pai de uma delas assumiu o controle da situação que lhe chegara aos ouvidos. Pôs fim ao namoro da menina que apenas sabia segurar as mãos. Logo ela, coitada, que ainda não havia experimentado outras delícias do namoro.
O menino foi prejudicado na sua estratégia. Instalou-se o desequilíbrio nas relações. Com três ele estava bem passado.
Não houve jeito. A menina chorou, invejou as outras, fantasiou, mas nada conseguiu. O pai estava irredutível. Filha dele só namorava um bom tempo mais tarde.
Mas o menino acabou sofrendo uma segunda perda. Só lhe restou uma namoradinha. Desequilíbrio total. Essa situação o cegou completamente, deixando-o às escuras. Sentiu que tinha que se contentar mesmo de forma incompleta. Resultou na perda da capacidade de julgamento do que era bom de verdade.
Dois anos depois, um pouco mais velhos os quatro, ainda adolescentes, a menina que se viu forçada a terminar o namoro estava de mudança da cidade. E não podia conceber a ideia de ir para outra cidade sem ao menos ter experimentado o beijo. Não. Não poderia partir assim. Pensou em uma maneira de conseguir isso. Arrumar um namorado em pouco tempo não seria possível. O jeito era ir atrás de uma solução rápida e conhecida. Sem maldade, foi até a amiga que ainda namorava o menino e pediu-lhe emprestado o namorado para dar apenas um único beijo. A amiga aceitou, embora desconfiada.
Os dois, cientes do arranjo momentâneo, saíram de mãos dadas da casa da amiga, caminharam pela rua mal iluminada e num gesto meio desajeitado se beijaram.
O príncipe em pouco tempo virou um sapo, mas a menina se tornou uma moça.
Depois ela partiu.

terça-feira, 8 de março de 2011

Existe um ser no vazio

_ Alfredo, dê um jeito nessa menina! A mãe ordenava ao pai, neurastênica, a fim de se livrar do problema.
_ Aonde ela se escondeu? O pai respondia com outra pergunta repassando o problema para quem estivesse perto. Raramente demonstrava interesse por qualquer assunto que envolvesse Sabrina.
_ Deve estar dentro de algum guarda-roupa ou debaixo da cama.
_ Isabel, como vamos encontrá-la nessa casa grande?
Isabel e Alfredo estvam casados há dezesseis anos e por oito esperaram por um filho.
Pronto! Veio-lhes uma menina que para alívio de todos coroou a família com um herdeiro. Embora sempre os pais ficassem constrangidos quando perguntavam se era um menino ou menina que havia nascido, a resposta era rápida e acompanhada de certa indignação para essas ocasiões.
_ É uma menina. Logo providenciaremos um menino.
O que nunca aconteceu.
Foi nesse ambiente que nasceu Sabrina. Durante o primeiro mês de nascimento dela a casa estava sempre cheia de parentes pela novidade e por amigos interessados em marcar presença social.
Tão logo os dias foram passando, Sabrina ia revelando seu desencanto desencantando a todos. E ao fim de um mês ninguém mais ia visitá-la. Seus olhinhos sempre estavam a olhar para o vazio. Não era um bebê alegre, risonho.
Alguns médicos foram consultados. Ela não respondia a certos estímulos. Diagnóstico: - Ela precisa de colo, de contato humano.
Isabel, a mãe, não era dotada de instinto maternal. Logo se desincumbiu da criança, já no segundo mês de vida, e voltou à sua vida social agitada. Cada vez menos ela via sua filha.
No primeiro ano de Sabrina o seu contato mais próximo em casa era Josefina, a responsável pelos serviços domésticos e que pouco tempo tinha para dar maiores cuidados à ela.
Sabrina era colocada em um cercadinho na enorme cozinha num canto enquanto Josefina cuidava de seus afazeres. Todos os dias eram assim. Às vezes ela ganhava um biscoito ou pedacinho de pão para se distrair até a hora do almoço.
À noite Isabel chegava em casa, passava pela menina e apenas verificava se ela estava de banho tomado e se cheirava bem.
Alfredo, o pai, só tinha notícias da filha pela mulher. Ele, um homem de negócios ao chegar em casa ia direto para sua biblioteca, sentava em sua poltrona a ler os jornais e beber uma dose de cherez.
E da mesma forma esses hábitos foram os mesmo por sete anos.
Sabrina, uma menininha mirradinha, de cabelos negros amarrados em trança, com a pele pálida tinha também um comportamento muito esquivo e distante. Não se relacionava com ninguém, sempre calada envolvida em suas próprias brincadeiras. Na realidade a única brincadeira que a envolvia completamente se consistia em catar objetos perdidos ou esquecidos em algum canto da casa e depois procurar um lugar, podendo ser um buraquinho no assoalho ou nas paredes velhas do casarão para escondê-los dos olhos dos outros. Costumava encontrar cacos de louça, pedaços de papeis e botões de camisas. E todos tinham um mesmo destino: buracos encontrados ou feitos por Sabrina pela casa. Mesmo de olhos vendados, que era uma variante de sua brincadeira, era capaz de andar pela casa procurando esses lugares que só ela tinha conhecimento.
Ninguém na casa se dava conta da presença da menina. Josefina só se lembrava dela quando a chamava para almoçar ou lanchar.
_ Sabrina, aonde você está? Venha para lanchar. Depressa! Tenho muito que fazer.
Sabrina absorta em sua brincadeira demorava a atender ao chamado o que sempre deixava Josefina irritada levando-a a reclamar com os pais da menina.
Ao ser encontrada, Sabrina, não manifestava qualquer reação, se deixava apenas ser conduzida pelo puxão de braço de Josefina.
Os pais, sempre ausentes, com o tempo foram perdendo o interesse pela filha. Esqueciam que tinham-na gerado. Faziam programação de viagens, passeios, festa sem contarem com a presença dela.
Em uma dessas reuniões de senhoras, Isabel em conversa com uma amiga foi despertada para algo que poderia ser uma solução para seus problemas com Sabrina.
_ Isabel, querida amiga, para o próximo ano irei matricular meu filho no colégio interno na capital. É um colégio do qual ouço falar muito bem. Só recebe os filhos de famílias conceituadas da nossa sociedade. Eu e meu marido acreditamos que será muito bom para o futuro dele. Por que não coloca Isabel na ala feminina?
Nesse momento, Isabel lembrou-se que tinha uma filha, tão logo para pensar em descartá-la.
_ Por que, não?
Ao chegar em casa ansiosa por compartilhar essa ideia com o marido não esperou muito e foi direto interrompê-lo na sua biblioteca. Alfredo de olhos fixos no jornal em que lia, não se mostrou entusiasmado.
_ Mas será que ela vai se adaptar? Está tão acostumada a ficar com uma casa só para ela, longe de outras crianças?
_ Deixe de bobagens, Alfredo. Lá, ela vai aprender a conviver com outras pessoas, adquirir bons hábitos e deixar de ser um bicho do mato. No mais, essa menina exige muita atenção de todos. Josefina sempre está a reclamar que os cuidados com Sabrina a faz atrasar nas tarefas da casa. Já está na hora dessa menina tomar jeito.
O contato com o colégio foi feito e todos os procedimentos foram encaminhados.
A menina não imaginava que daqui há uns três meses sua vida iria mudar. Não houve um cuidado por parte dos pais em preparar-lhe para essa mudança tão brusca.
Durante um jantar, ela como sempre sentada à mesa, quietinha, enquanto seus pais conversavam entre si não pode deixar de escutar a conversa que tratava dela.
_ Então, Isabel, está tudo acertado com o colégio interno na capital?
_ Tudo tranqüilo, Alfredo. Sabrina irá para o colégio daqui há dois meses. Nesse ínterim preciso prepara o enxoval exigido por eles e todo material escolar para um ano letivo. Inclusive, já estipularam as regras de visitas. Só poderemos buscá-la nas férias escolares. Nos feriados, é opcional.
Sabrina sobressaltou-se com a inesperada notícia. Seu coraçãozinho se apertou e ficou confusa. Não a assustava ficar longe dos pais. Nem estava acostumada com a presença deles ao seu lado. O mais assustador era deixar sua casa. Ela conhecia e pertencia a cada canto daquela casa.
Depois que ouviu toda conversa seu corpinho todo se encolheu e se retirou da mesa sem que notassem sua presença enquanto estivera ali.
Não conseguia pensar em mais nada. E não havia ninguém para conversar e consolá-la.
Adormeceu sobre sua cama o com a mesma roupa que passara o dia. Foi acometida por pesadelos durante seu sono e acordou na manhã seguinte febril.
Josefina estranhou seu atraso em se levantar para o café. Foi até seu encontro e a ajudou a se vestir. Sabrina não pronunciava nenhuma palavra. Estava confusa se havia sido apenas um sonho, quando ouviu o comentário de Josefina.
_ Menina, logo, logo você irá dessa casa. Vai conhecer um montão de gente e quando voltar a essa casa já estará uma moça feita.
Sabrina não tinha apetite para nada. Triste e amuada mal tocou em seu café.
A partir de então só via sua mãe correndo pra lá e pra cá toda agitada e preocupada com os preparativos para sua partida. Nunca a vira tão envolvida com algo que fosse para ela. Se sentiu muito só. Apesar de sua pouca idade compreendeu o gesto de seus pais.
O dia da partida, enfim chegou. Eles foram levá-la de carro até ao colégio. Na portaria a deixaram com uma breve despedida e muitas recomendações sobre comportamento.
Após a recepção dos professores e diretor do colégio, durante o jantar, as alunas se recolheram para seu quarto.
Sabrina, em sua primeira noite, agarrada ao seu travesseiro entregou-se às lágrimas. Chorou baixinho até cair num sono profundo.
No primeiro mês nada a animava. Como o colégio havia sido avisado desse comportamento esquivo de Sabrina, não a incomodaram e nem se preocuparam em tentar ajudá-la nessa difícil fase de adaptação.
E Sabrina, como em sua casa, não existia nesse ambiente.
Logo ela entendeu que tão cedo iria retornar à sua casa. O jeito foi retomar o seu antigo hábito de catar objetos perdidos, esquecidos ou descartados e buscar lugares para escondê-los.
E tal qual esses objetos, Sabrina vivia esquecida, perdida e descartada por todos.
O que pode esperar de uma criança que viveu em um ambiente de descaso? O que viria a se tronar essa menina? Mas engana-se quem pensa que Sabrina fosse frágil. Ela se fortalecia à medida que crescia. Muitas vezes buscou refúgio em uma realidade própria, menos sofrível. Ela se cercava de fantasia e mergulhava nos livros e estudos. Sabia que não poderia contar com ninguém. Esse ninguém nem existia para ela.
Poucas vezes durante os dez anos no colégio retornou à sua casa. Foram três vezes nesse período. Os pais estavam sempre viajando e não havia ninguém em casa para recebê-la. Ela costumava ficar na própria escola fazendo algum curso de verão.
Perto de completar dezoito anos e ao término da fase no colégio, começou a se preparar para sua volta definitiva ao lar. Sabrina se tornara uma moça muito bonita. Ainda conservava a magreza e a palidez. Esse tempo longe de casa, de fato contribuiu para que despertasse nela certa curiosidade pelo mundo exterior a ela. Conhecer pessoas diferentes fez com que ela se abrisse um pouco. Muito pouco, é verdade.
No último dia no colégio, todos estavam excitados. Alguns pais tinham ido buscar seus filhos pessoalmente. Outros saíram em turma com retorno aos seus lares.
Sabrina se lembrou que não havia ligado para seus pais lhes avisando de sua chegada. Iria arriscar assim mesmo.
Foi à estação rodoviária comprou sua passagem e despachou suas malas.
Enquanto o ônibus ia avançando pela estrada ela foi revendo sua vida em todos os seus detalhes desde que ela era criança e podia se recordar. Rememorou sua vida em casa, sua relação com seus pais, Josefina...
Nunca nesses anos todos sentiu que fazia parte da vida deles.
A viagem de volta levava umas cinco longas horas o que demandava parar em alguma cidade no meio do caminho para um lanche.
Sabrina olhou para os lados pela janela do ônibus e resolveu descer.
_ Senhorita, teremos vinte minutos de parada para esticarmos as pernas e comermos algo. Depois seguiremos viagem.
_ Como se chama essa cidade, senhor?
_ Nova Esperança, senhorita.
_ Então, por favor, tire minhas malas. Vou ficar aqui.