Da última vez que nos vimos foi há uma semana em uma viagem pelo circuito cultural paulista para uma apresentação em Valparaíso e Regente Feijó. Ele foi quietinho no banco da frente ao lado do motorista olhando tudo enquanto o carro comia a estrada. Atrás, nós, companheiros de viagem, íamos ora cantando ora dormindo. E ele lá, na sua.
Não olhava para trás. Seguia confiante. Talvez estivesse concentrado para a apresentação logo mais na cidade paulista.
Não atrevi puxar conversa com ele. Fiquei um pouco intimidada com sua presença na van. Era a primeira vez que eu saía assim em caravana artística. Já o grupo era mais íntimo do Seu Adoniran.
Passamos 3 dias indo de uma cidade a outra. As pessoas nos recebiam bem e chegavam a se emocionar com a presença no palco desse senhorzinho. Ele até se aventurou a dar uma palhinha no final do espetáculo após a apresentação do grupo que estava afinado em suas músicas. Saudosa Maloca, Iracema e As Mariposa contaram com coreografia alegre e percussão aprimorada.
Não sobrou muito tempo para um papo entre nós.
Ao final do espetáculo fomos a um bar para relaxar e, claro, jogar conversa fora. Ele não nos acompanhou. Era compreensível na idade dele que quisesse dormir cedo. Afinal, já foi muito boêmio em outros tempos.
Mas nesse final de semana eu não pude ir acompanhando o grupo. Bateu saudade fundo no peito.
Não aguentei e liguei. Vou tentar reproduzir a conversa, embora sem o jeitinho paulistano de falar, assim meio macarrônico. Para uma mineira isso é um pouco difícil. Mas o que importa é o conteúdo.
- E aí, Seu Adoniran? Como estão as coisas?
- Vendo as coisas quadradas.
- Como assim?
- Um velho de 100 anos como eu, sentado o dia todo num banco de carro, sendo levado de um canto a outro, não poderia ser diferente. Quadrado. Quadrada a cara, quadrada a bunda. Pelo parabrisa do carro só vejo as coisas quadradas.
- E o grupo, Seu Adoniran, tem tratado o senhor bem? Lhe feito companhia? Olha que se não estão eu irei puxar a orelha de cada um deles, viu?
- Bom, isso sim. Eu vou quieto aqui na frente do carro. Eles vão atrás um pouco cansados dessa rotina. Dessa vez não estão nada satisfeitos com o motorista. Chegou todo cheio de confiança e aborreceu o pessoal. Tentava puxar assunto comigo mas não dei conversa.
- E a apresentação? O público gostou?
- Ah! Isso sim. Cantaram juntos. Aplaudiram de pé. Quando eu entrei em cena segurando uma vela senti que se emocionavam. Falei umas coisas e eles aplaudiram muito.
Mas bom mesmo é o lanche do camarim. Enquanto o grupo vai se apresentando eu fico sentado lá dentro só saboreando aquilo tudo.
- Quando volta, então, Seu Adoniran?
- Minha filha, "não posso ficá nem mais um minuto sem você..." Tô voltando minha mariposa. É só me esperar.
Assim desliguei o celular feliz. Mas não muito convencida desse chamego dele por mim. Já aprendi que não devemos confiar num coração boêmio. Ele é por demais inconstante. E ademais, D. Matilde não ia gostar dessa intimidade.
Minha querida Roberta,
ResponderExcluirVc sempre esbanjando suas boas impressões sobre tudo e todos.
Salve,Salve Adoniran,que na sua siimplicidade arrastou milhões com seu quaz quaz quaz quaz quaz para cantar as pequenas coisas que fazem a vida valer a pena.
Shellah Avellar
http://sensorion.com.br/blog