_ Alfredo, dê um jeito nessa menina! A mãe ordenava ao pai, neurastênica, a fim de se livrar do problema.
_ Aonde ela se escondeu? O pai respondia com outra pergunta repassando o problema para quem estivesse perto. Raramente demonstrava interesse por qualquer assunto que envolvesse Sabrina.
_ Deve estar dentro de algum guarda-roupa ou debaixo da cama.
_ Isabel, como vamos encontrá-la nessa casa grande?
Isabel e Alfredo estvam casados há dezesseis anos e por oito esperaram por um filho.
Pronto! Veio-lhes uma menina que para alívio de todos coroou a família com um herdeiro. Embora sempre os pais ficassem constrangidos quando perguntavam se era um menino ou menina que havia nascido, a resposta era rápida e acompanhada de certa indignação para essas ocasiões.
_ É uma menina. Logo providenciaremos um menino.
O que nunca aconteceu.
Foi nesse ambiente que nasceu Sabrina. Durante o primeiro mês de nascimento dela a casa estava sempre cheia de parentes pela novidade e por amigos interessados em marcar presença social.
Tão logo os dias foram passando, Sabrina ia revelando seu desencanto desencantando a todos. E ao fim de um mês ninguém mais ia visitá-la. Seus olhinhos sempre estavam a olhar para o vazio. Não era um bebê alegre, risonho.
Alguns médicos foram consultados. Ela não respondia a certos estímulos. Diagnóstico: - Ela precisa de colo, de contato humano.
Isabel, a mãe, não era dotada de instinto maternal. Logo se desincumbiu da criança, já no segundo mês de vida, e voltou à sua vida social agitada. Cada vez menos ela via sua filha.
No primeiro ano de Sabrina o seu contato mais próximo em casa era Josefina, a responsável pelos serviços domésticos e que pouco tempo tinha para dar maiores cuidados à ela.
Sabrina era colocada em um cercadinho na enorme cozinha num canto enquanto Josefina cuidava de seus afazeres. Todos os dias eram assim. Às vezes ela ganhava um biscoito ou pedacinho de pão para se distrair até a hora do almoço.
À noite Isabel chegava em casa, passava pela menina e apenas verificava se ela estava de banho tomado e se cheirava bem.
Alfredo, o pai, só tinha notícias da filha pela mulher. Ele, um homem de negócios ao chegar em casa ia direto para sua biblioteca, sentava em sua poltrona a ler os jornais e beber uma dose de cherez.
E da mesma forma esses hábitos foram os mesmo por sete anos.
Sabrina, uma menininha mirradinha, de cabelos negros amarrados em trança, com a pele pálida tinha também um comportamento muito esquivo e distante. Não se relacionava com ninguém, sempre calada envolvida em suas próprias brincadeiras. Na realidade a única brincadeira que a envolvia completamente se consistia em catar objetos perdidos ou esquecidos em algum canto da casa e depois procurar um lugar, podendo ser um buraquinho no assoalho ou nas paredes velhas do casarão para escondê-los dos olhos dos outros. Costumava encontrar cacos de louça, pedaços de papeis e botões de camisas. E todos tinham um mesmo destino: buracos encontrados ou feitos por Sabrina pela casa. Mesmo de olhos vendados, que era uma variante de sua brincadeira, era capaz de andar pela casa procurando esses lugares que só ela tinha conhecimento.
Ninguém na casa se dava conta da presença da menina. Josefina só se lembrava dela quando a chamava para almoçar ou lanchar.
_ Sabrina, aonde você está? Venha para lanchar. Depressa! Tenho muito que fazer.
Sabrina absorta em sua brincadeira demorava a atender ao chamado o que sempre deixava Josefina irritada levando-a a reclamar com os pais da menina.
Ao ser encontrada, Sabrina, não manifestava qualquer reação, se deixava apenas ser conduzida pelo puxão de braço de Josefina.
Os pais, sempre ausentes, com o tempo foram perdendo o interesse pela filha. Esqueciam que tinham-na gerado. Faziam programação de viagens, passeios, festa sem contarem com a presença dela.
Em uma dessas reuniões de senhoras, Isabel em conversa com uma amiga foi despertada para algo que poderia ser uma solução para seus problemas com Sabrina.
_ Isabel, querida amiga, para o próximo ano irei matricular meu filho no colégio interno na capital. É um colégio do qual ouço falar muito bem. Só recebe os filhos de famílias conceituadas da nossa sociedade. Eu e meu marido acreditamos que será muito bom para o futuro dele. Por que não coloca Isabel na ala feminina?
Nesse momento, Isabel lembrou-se que tinha uma filha, tão logo para pensar em descartá-la.
_ Por que, não?
Ao chegar em casa ansiosa por compartilhar essa ideia com o marido não esperou muito e foi direto interrompê-lo na sua biblioteca. Alfredo de olhos fixos no jornal em que lia, não se mostrou entusiasmado.
_ Mas será que ela vai se adaptar? Está tão acostumada a ficar com uma casa só para ela, longe de outras crianças?
_ Deixe de bobagens, Alfredo. Lá, ela vai aprender a conviver com outras pessoas, adquirir bons hábitos e deixar de ser um bicho do mato. No mais, essa menina exige muita atenção de todos. Josefina sempre está a reclamar que os cuidados com Sabrina a faz atrasar nas tarefas da casa. Já está na hora dessa menina tomar jeito.
O contato com o colégio foi feito e todos os procedimentos foram encaminhados.
A menina não imaginava que daqui há uns três meses sua vida iria mudar. Não houve um cuidado por parte dos pais em preparar-lhe para essa mudança tão brusca.
Durante um jantar, ela como sempre sentada à mesa, quietinha, enquanto seus pais conversavam entre si não pode deixar de escutar a conversa que tratava dela.
_ Então, Isabel, está tudo acertado com o colégio interno na capital?
_ Tudo tranqüilo, Alfredo. Sabrina irá para o colégio daqui há dois meses. Nesse ínterim preciso prepara o enxoval exigido por eles e todo material escolar para um ano letivo. Inclusive, já estipularam as regras de visitas. Só poderemos buscá-la nas férias escolares. Nos feriados, é opcional.
Sabrina sobressaltou-se com a inesperada notícia. Seu coraçãozinho se apertou e ficou confusa. Não a assustava ficar longe dos pais. Nem estava acostumada com a presença deles ao seu lado. O mais assustador era deixar sua casa. Ela conhecia e pertencia a cada canto daquela casa.
Depois que ouviu toda conversa seu corpinho todo se encolheu e se retirou da mesa sem que notassem sua presença enquanto estivera ali.
Não conseguia pensar em mais nada. E não havia ninguém para conversar e consolá-la.
Adormeceu sobre sua cama o com a mesma roupa que passara o dia. Foi acometida por pesadelos durante seu sono e acordou na manhã seguinte febril.
Josefina estranhou seu atraso em se levantar para o café. Foi até seu encontro e a ajudou a se vestir. Sabrina não pronunciava nenhuma palavra. Estava confusa se havia sido apenas um sonho, quando ouviu o comentário de Josefina.
_ Menina, logo, logo você irá dessa casa. Vai conhecer um montão de gente e quando voltar a essa casa já estará uma moça feita.
Sabrina não tinha apetite para nada. Triste e amuada mal tocou em seu café.
A partir de então só via sua mãe correndo pra lá e pra cá toda agitada e preocupada com os preparativos para sua partida. Nunca a vira tão envolvida com algo que fosse para ela. Se sentiu muito só. Apesar de sua pouca idade compreendeu o gesto de seus pais.
O dia da partida, enfim chegou. Eles foram levá-la de carro até ao colégio. Na portaria a deixaram com uma breve despedida e muitas recomendações sobre comportamento.
Após a recepção dos professores e diretor do colégio, durante o jantar, as alunas se recolheram para seu quarto.
Sabrina, em sua primeira noite, agarrada ao seu travesseiro entregou-se às lágrimas. Chorou baixinho até cair num sono profundo.
No primeiro mês nada a animava. Como o colégio havia sido avisado desse comportamento esquivo de Sabrina, não a incomodaram e nem se preocuparam em tentar ajudá-la nessa difícil fase de adaptação.
E Sabrina, como em sua casa, não existia nesse ambiente.
Logo ela entendeu que tão cedo iria retornar à sua casa. O jeito foi retomar o seu antigo hábito de catar objetos perdidos, esquecidos ou descartados e buscar lugares para escondê-los.
E tal qual esses objetos, Sabrina vivia esquecida, perdida e descartada por todos.
O que pode esperar de uma criança que viveu em um ambiente de descaso? O que viria a se tronar essa menina? Mas engana-se quem pensa que Sabrina fosse frágil. Ela se fortalecia à medida que crescia. Muitas vezes buscou refúgio em uma realidade própria, menos sofrível. Ela se cercava de fantasia e mergulhava nos livros e estudos. Sabia que não poderia contar com ninguém. Esse ninguém nem existia para ela.
Poucas vezes durante os dez anos no colégio retornou à sua casa. Foram três vezes nesse período. Os pais estavam sempre viajando e não havia ninguém em casa para recebê-la. Ela costumava ficar na própria escola fazendo algum curso de verão.
Perto de completar dezoito anos e ao término da fase no colégio, começou a se preparar para sua volta definitiva ao lar. Sabrina se tornara uma moça muito bonita. Ainda conservava a magreza e a palidez. Esse tempo longe de casa, de fato contribuiu para que despertasse nela certa curiosidade pelo mundo exterior a ela. Conhecer pessoas diferentes fez com que ela se abrisse um pouco. Muito pouco, é verdade.
No último dia no colégio, todos estavam excitados. Alguns pais tinham ido buscar seus filhos pessoalmente. Outros saíram em turma com retorno aos seus lares.
Sabrina se lembrou que não havia ligado para seus pais lhes avisando de sua chegada. Iria arriscar assim mesmo.
Foi à estação rodoviária comprou sua passagem e despachou suas malas.
Enquanto o ônibus ia avançando pela estrada ela foi revendo sua vida em todos os seus detalhes desde que ela era criança e podia se recordar. Rememorou sua vida em casa, sua relação com seus pais, Josefina...
Nunca nesses anos todos sentiu que fazia parte da vida deles.
A viagem de volta levava umas cinco longas horas o que demandava parar em alguma cidade no meio do caminho para um lanche.
Sabrina olhou para os lados pela janela do ônibus e resolveu descer.
_ Senhorita, teremos vinte minutos de parada para esticarmos as pernas e comermos algo. Depois seguiremos viagem.
_ Como se chama essa cidade, senhor?
_ Nova Esperança, senhorita.
_ Então, por favor, tire minhas malas. Vou ficar aqui.
lindo
ResponderExcluiradoreiiiii