Pode parecer esdrúxulo, mas algumas mães parem mais de uma vez os mesmos filhos. Acho que a maioria.
Tenho vivenciado a dor do parto várias vezes. E não adianta contá-las, mas com certeza posso enumerar algumas.
Nesse rol de partos não incluo a ida à escola. Isso foi tranquilo. Foi bom, mesmo, ver os filhos irem à escola pela primeira vez.
A primeira, quando meus filhos de fato nasceram.
A primeira, quando meus filhos de fato nasceram.
Enumerando... A segunda vez foi quando eu me separei e vim para São Paulo. O mais velho estava aqui comigo. Tinha 18 anos. O segundo e o terceiro filhos, de 16 e 15 anos, ficaram com o pai em Salvador. Me enchi de coragem e os deixei, contanto que viessem dentro de um ano morar comigo. A decisão não foi fácil. Foi circunstancial. Dolorida. Foi, inclusive, cercada de uma certa dose de heroísmo. Ouvi o chamado do canto da sereia e mergulhei nas águas da vida. E dá-lhe segura na mão de Deus. Rezei muito à Ele para que me ensinasse a viver nessa nova condição. À propósito, deixe-me esclarecer algo antes que me julguem sentimental demais. Na verdade, eu sou uma pessoa dada à vivenciar ritos de passagens. E como sou muito sensível a mudanças de ciclos de vida, preciso dos ritos para me aperceber delas. É que eu costumo mergulhar fundo para tentar conhecer o invisível. E olha que é difícil eu me contentar com o raso! Tudo isso requer coragem extra e força de Sansão.
E assim foi. Um dia após o outro. Por um ano eu os esperei e me preparei para recebê-los em minha vida novamente.
Eles chegaram, enfim. Por dois anos estivemos juntos e de novo, a terceira vez, eles partiram. Os três. E mais uma vez por razões circunstanciais. Foram morar num apartamento perto de mim e eu fui morar numa quitinete. Eu sozinha. Minha vida estava se transformando novamente. Recorri, de novo, ao segure na mão de Deus. Valha-me Deus!!
Nada acontece em minha vida sem que se desarrume a minha casa. Sempre é assim. As coisas da vida são assim.
Foi dolorido demais e envolveu muita mudança, muita aceitação.
E assim, la nave va. Foi. Naveguei por mares agitados por um ano até me casar novamente.
A transformação continuou dentro de mim. Ondas altas, calmaria. De repente, mas previsível - essa, a terceira vez - o segundo foi embora morar com o pai em Brasília para estudar. Mais uma separação. Mais um parto. Nessas horas costumo ficar muito chorosa. Muito sensível na tentativa de preencher os vazios que eram ocupados pela preocupação com os filhos e que tantas vezes verbalizamos que não os aguentamos mais. Reclamamos do trabalho que nos dão e como seria bom eles terem suas vidas independentes. Mas coração de mãe finge que é altruísta e valente. Que nada! Se não fossem as mães neste mundo com certeza não seria um mundo com emoção. Seria seco por falta de lágrimas e desprovido de uma certa beleza. Ou seja, sem graça.
Bem, agora outro parto. O mais velho foi morar só, aqui mesmo em São Paulo (pelo menos está mais perto) e o terceiro filho está indo morar, também, em Brasília. Este está comigo há uma semana, hospedado em nossa casa antes de ir. É bom ressaltar que meu marido está sendo solidário e compreensivo neste meu momento de resguardo e parição. Parição e resguardo.
O terceiro está sendo parido. E paparicado, também. Entro no quarto em que está dormindo, sinto o seu cheiro no ar. Lavo suas roupas. Ajeito sua cama. Tudo o que fazemos quando preparamos o ambiente para a chegada do novo rebento.
Mas agora quem vai receber este rebento é o mundo. E eu estou preparando o meu coração para entregar ao mundo o meu filho. Assim tem sido esses dois últimos anos.
E o que tem feito eu? Descoberto novos mares nunca dantes navegados.
Descoberto meu lado artístico, meu lado mulher, meu lado amiga e minha alma.
Estou voltando pra casa. Em busca da minha mãe. A mãe que fui e a mãe que sou.
Redescobri a minha própria mãe. Agora irmã.
Saber que todas nós, mulheres e mães, passamos por esse processo, algumas mais intensamente, outras quase imperceptivelmente, nos tornam mais próximas e mais cúmplices.
Mas meus filhos, sei também, são meus irmãos nesta jornada. Companheiros que me ensinam a caminhar. A não ficar parada no meio do caminho sendo uma coisa só. A eles devo os mares revoltos que me levaram a terras desconhecidas. Ao encontro comigo mesma.
Portanto, obrigada, meus filhos, por terem estado comigo. Sei que continuarão, aonde estiverem.