A senhora andava arrastando os chinelos pela casa. Andava a providenciar o almoço para a família. Andava de um lado a outro ajeitando as coisas no lugar.
Não sabia, talvez, por onde começar.
Ora arrumava um enfeite sobre a mesa, ora colocava os gatos para fora da sala. Ora lavava alguns poucos copos, ora guardava a louça.
Num momento gritava para falar com alguém da família. Não precisava gritar. Mas sua voz alcançava a vizinhança.
Quem sabe a solidão a visitou mais cedo e ela não entendeu que não precisava gritar para ser ouvida? Mas ela gritava ao invés de falar. Não chegava a pronunciar as palavras ordenadamente na pressa de ser ouvida. O tempo era seu inimigo.
Panelas, louças, família.
Gatos, almofadas, vassoura, casa.
Tudo desordenadamente. Tudo atabalhoadamente.
Seu corpo pesado se arrastava até o quintal. E lá ela ajeitava uma plantinha ali e outra acolá.
Cortou com um corte certeiro as folhas da taioba para refogar no almoço.
O feijão já estava cozinhando na panela de pressão. O chiado da válvula podia ser ouvido em meio à voz alta da senhora. Quem gritava mais? Um para não ser queimado no cozimento e outro para não ser esquecido.
Cebolas picadas, arroz lavado. Família faminta.
E a mesa foi sendo rodeada pelos entes vivos da família.
Cada um sabia seu lugar. Ninguém brigava por eles.
A senhora terminou o almoço de forma abrupta e instantaneamente jogou na cadeira o seu corpo frente à mesa e pô-se a servir a todos.
Nada lembrava a uma família feliz. Os sobreviventes se alimentavam. Se nutriam.
Seus corpos habitados por desejos e frustrações não se saciavam nunca.
A senhora ali a gritar, outros a ouvirem sem reclamar.
O tempo escoava o resto de esperança.
Almoço posto. Almoço findado.
Cada um para seu lado.
A senhora de volta à pia para ter em sua companhia as louças e panelas.
Suas pernas pesadas, suspiros profundos. Rotina instalada.
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