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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Me despedindo de uma amiga

Eu vi uma árvore chorando. E não foi nada bom vê-la assim. Acho que por um momento minha dor se juntou a dela. Eu vi o seu interior. Ela estava ali na calçada, sangrando. Suas entranhas expostas para quem quisesse ver; jogada na rua esperando ser removida. Não mais carregada pelo vento que balançava seus galhos e lhe criava a ilusão de que a carregava por aí.
Um dia você amparou velhos e senhoras cansados; foi abraçada por crianças que brincavam à sua sombra. 
Você estava conosco há tanto tempo. Estava presente enquanto outros espaços se expandiam e mais gentes chegavam. Você viu beijos e carícias trocados no escuro do dia. Você viu muitos sóis e muitas luas sobre você. Você fez parte do dia-a-dia desse bairro.  Respirou o nosso ar e registrou caminhares noturnos. Jamais julgou o que viu ou ouviu. Apenas aceitou o que era e cumpriu seu destino.
Mas agora você não pode mais se mexer. Foi brutalmente extirpada de seu lugar. A crueldade maior de quem lhe causou tamanha violência foi deixá-la para todos vê-la assim. 
E você chorou pelas suas vergonhas expostas. E a lágrima era vermelho sangue. 
Alguns passavam e a ignoravam sem ao menos lhe oferecer um olhar de solidariedade.
Outros, diante do fato, apenas lamentavam e seguiam em frente.
E lá estava você de testemunha de seu próprio destino. Quantas vezes, quando somos feridos pelas nossas adversidades ou pelo nosso fracasso, o que mais queremos é nos abrigar dos olhares alheios, curiosos ou, simplesmente, indiferentes?
Mas você ainda está lá. Envergonhada. Não resta traços de sua imponência de outrora.
Minha amiga, eu choro com você. Eu estava lá um dia antes de tudo acontecer. E eu a conheci inteira. Sua dignidade me amparou no calor do dia. Sua presença me mostrou o poder do Criador. 
Eu queria contar as histórias que você testemunhou. Mas eu somente a conheci agora. Só posso oferecer umas poucas palavras para que não esqueçam de você. Para que saibam que abrigou e foi sustento para tantas criaturas e que temos a esperança de que o vento, seu velho amigo, tenha espalhado partes de você por aí.
Talvez, algum dia nos arrependamos de nossos atos infames contra tantas outras. Oxalá, não seja tarde demais.

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